sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Amantes de livros e editoras tentam se adaptar aos e-books


Auriane e Sebastien de Halleux debatem intensamente o livro “A Garota Com Tatuagem de Dragão”, mas a discussão não se refere ao enredo da obra. O problema é que ela prefere a versão em livro, enquanto ele prefere ler em seu iPad. O casal diz que nesta disputa literária eles jamais irão entrar em acordo.

“Ela fala sobre o cheiro do papel e da sensação de segurá-lo em suas mãos”, explica Sebastien de Halleux, 32, que diz que o conteúdo é o mesmo, não importa o meio. E acrescenta, levemente irritado: “Ela usa a palavra “real”.

Até o final deste ano, 10,3 milhões de pessoas devem adquirir leitores de livros digitais nos Estados Unidos, o que significa uma venda de 100 milhões de e-books, segundo a previsão da empresa de pesquisa de mercado Forrester. É um crescimento considerável em relação aos 3,7 milhões de leitores digitais e 30 milhões de e-books vendidos no ano passado.

Esta tendência está causando caos no mercado editorial. Porém, dentro dos lares, a trama tem um toque pessoal, pois os casais possuem opiniões distintas sobre a “maneira correta” de ler. Na hora de dormir, por exemplo, o casal deita-se lado a lado e enquanto um vira as páginas de um livro iluminadas pelo abajur, o outro faz sua leitura no painel eletrônico de um Kindle ou na tela de LCD de um iPad, sendo que cada um dos dois fica julgando o outro em silêncio.

Embora não existam estatísticas sobre a dimensão desta disputa, a indústria editorial presta atenção e tenta descobrir como comercializar livros para as famílias que leem de formas diferentes.

Algumas livrarias e editoras estão testando a venda casada de livros impressos com e-books a um preço especial. A livraria americana Barnes & Noble começou a oferecer pacotes em junho em cerca de 50 lojas e planeja ampliar o programa até o final deste ano, conta Mary Ellen Keating, porta-voz da Barnes & Noble.

O grupo editorial Thomas Nelson, especializado em livros religiosos, oferece e-books gratuitos junto às cópias impressas de alguns títulos. Tal iniciativa agrada aos leitores que desejam compartilhar livros com a família e amigos e preferem ler em diferentes formatos, explica Tod Shuttleworth, vice-presidente sênior e editor da Thomas Nelson. Os pacotes têm vendido bem e a Thomas Nelson planeja adicionar outros durante a temporada de compras de Natal.

Enquanto isso, a Amazon.com tenta convencer os amantes de livros impressos de que “a leitura no Kindle é bem diferente da leitura na tela do computador”. Seu site promete uma tela de exibição na qual o texto “salta” da página, criando uma experiência de leitura muito semelhante ao papel impresso, pois não ofusca os olhos em locais iluminados, nem brilha demais no escuro.

A Sony, que lançou uma nova linha de leitores de livros digitais recentemente, diz que eles estão menores e mais leves do que antes, com textos mais claros e telas sensíveis ao toque, a fim de que se pareçam mais com os livros impressos. “O que mais ouvimos do público foi a necessidade de senti-lo como um livro, para que você esqueça que tem um aparelho nas mãos”, explica Steve Haber, presidente do setor de leitura digital da Sony.

“Esta estratégia de marketing ressalta uma dificuldade maior: o desejo de manter a indústria de impressão viva de modo a não alienar um mercado central, ao mesmo tempo em que se estabelece uma base para um futuro que os editores consideram cada vez mais digital”, diz James L. McQuivey, analista da indústria de leitores digitais da Forrester.

“Há muito mais ligação emocional com o livro em papel do que com um CD ou DVD”, diz Mike Shatzkin, fundador e diretor da Idea Logical Co., empresa que presta consultoria digital a editoras. “Não é algo lógico, é visceral”, diz ele.

Um pacote incluindo um livro impresso e outro eletrônico teria sido útil para Liz Aybar, 35, e Betsy Conti, 31, um casal de Denver. Elas gostam tanto de ler juntas, que quando leram “A Garota Com Tatuagem de Dragão” em brochura, Conti arrancou partes do livro à medida que ia terminando para que Aybar pudesse lê-las.

Contudo, a partir do momento em que Conti, que é diretora de tecnologia, comprou um iPad, ela mudou de lado. Atualmente, ambas estão lendo “O Elemento-Chave”, de Ken Robinson, mas compraram dois exemplares distintos – um livro impresso por 15 dólares e uma versão Kindle de 13 dólares para o iPad.

“Me sinto mais conectada a um livro do que ao iPad”, conta Aybar, que trabalha para uma ONG da área de educação.

A editora Alexandra Ringee e seu marido, Jim Hanas, escritor de ficção, ambos com 41 anos, se apaixonaram em meio aos livros. Eles recordam que um de seus primeiros encontros aconteceu em um festival de livros usados em Nova Iorque. Eles se casaram em uma livraria do SoHo e hoje moram em um apartamento no bairro Park Slope, decorado com estantes de livros cobrindo as paredes do teto ao chão. Ela coleciona anuários antigos e livros de autoajuda. Já ele prefere ler em seu iPad.

“Em minha opinião, a leitura real é a dos e-books e os livros impressos tornaram-se objetos de colecionadores”, afirma Hanas, que já publicou contos em revistas literárias como a McSweeney’s e prepara o lançamento de seu novo livro, com o título em inglês “Why They Cried”, o qual será publicado apenas no formato digital.
“É incrível observar que as pessoas ainda estão passando por fases de aceitação de que as versões impressas estão indo embora, dizendo que gostam de sentir e cheirar os livros. Também passei por isto, mas já superei.”

Para Erin e Daniel Muskat, um casal do Brooklyn, a briga dos livros tem atrapalhado o hábito de leitura a dois. Erin Muskat, que é consultora de mídia e tem 29 anos, comprou um iPad antes da lua de mel para seu marido, que tem 33 anos e trabalha na loja de calçados da família. Não demorou muito para ela descobrir que a leitura eletrônica entrava em choque com a leitura tradicional.

“Eu trouxe um livro comigo e quase não li”, conta Erin. “Costumávamos ir à praia e levar nossos livros, mas agora ele leva um iPad e não sinto que ele está lendo comigo.”

Para Sebastien de Halleux, executivo de um fabricante de jogos, trava uma batalha entre os gostos de leitura que já passou para uma nova geração. Ele e sua esposa leem para seu filho Tristan, de 3 anos. Ele lê O Ursinho Puff para a criança em uma tela. Já ela prefere ler a história na versão de livro impresso.

Sebastien de Halleux diz que acredita que o menino vai acabar preferindo a versão digitalizada. “Ele gosta, pois você pode aumentar o zoom sobre os objetos”.

Ele conta que a discussão em sua casa acabou envolvendo também os seus pais. Seu pai prefere as brochuras, com o argumento de que elas podem ser mais facilmente compartilhadas, enquanto sua mãe prefere os e-books, que segundo ela facilitam a vida de quem tem a visão enfraquecida pela idade.

“A discussão é quente”, diz Sebastien de Halleux. “É um tema que divide opiniões no momento.”

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